DOI: 10.31368/1809-3353a00042020BIOGRAFIAJOSÉ REIS, VIDA E OBRA DE UM MARCO NA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA - I
M.M. Rebouças* & S. Bacilieri**
Instituto Biológico, Centro de Comunicação e Transferência do Conhecimento**, Núcleo do Museu do Instituto Biológico*. Av. Cons. Rodrigues Alves, 1252. CEP 04014-002, São Paulo, SP, Brasil. reboucas@biologico.sp.gov.br sbacilieri@biologico.sp.gov.br
RESUMOJosé Reis exibiu, durante toda sua vida, a popularização da ciência como um marco em sua carreira profissional. Neste trabalho apresenta-se a relação existente entre o pesquisador e a divulgação científica, em uma busca constante pelo prazer, puro e simples, de transferir conhecimento científico e tecnológico àqueles que se dispunham a aprender.
Palavras-chave: José Reis, divulgação científica, ciência.
ABSTRACT
JOSÉ REIS, LIFE AND WORKMANSHIP OF SIGN IN THE SCIENTIFIC DIFFUSION. Jose Reis showed, during his life, the popularization of science as a sign in his professional career. In this paper it is showed the relation between the researcher and the scientific diffusion, in a regular search for the pleasure, pure and simple, to transfer scientific and technological knowledge to those to make use to learn.
Key words: José Reis, scientific diffusion, science.
Rio de Janeiro, 12 de junho de 1907, nasce José Reis. Médico e posteriormente jornalista, ingressou no Instituto Biológico (IB), em 1929, aposentando-se em 1958. Dedicou-se à pesquisa no campo da microbiologia e, por influência de Rodolfo von Ihering, passou a estudar as doenças que acometiam as aves. José Reis se expressou em entrevista para a revista "O Biológico" em 1995 – "para tentar resolver a questão das doenças que os avicultores apresentavam como dificuldades na criação das aves". "Homens mais humildes do campo e sua comovente necessidade de aprender"
Na antiga Seção de Ornitopatologia, José Reis desenvolveu suas atividades de pesquisa. "Nunca uma instituição de pesquisa de patologia animal estudou tanto sobre doenças das aves e nunca um volume tão grande de informações sobre avicultura havia sido sistematizado, como fora feito por três pesquisadores, José Reis, Anita Swensson Reis e Paulo da C. Nóbrega", disse Dr. Henrique da Rocha Lima diretor do Instituto Biológico naquela época.
O termo ornitopatologia foi criado por José Reis, quando anteriormente usava-se o termo ornitoiatria. Ele justificou a criação desse termo por estudar as doenças das aves de maneira global, desde a etiologia até a patogenia e a anatomia patológica, para concluir, indicando as medidas de prevenção e terapêutica, e não como um assunto clínico. Nesse assunto, preparou para os produtores avícolas inúmeros folhetos em linguagem acessível. Mais tarde, organizou esses folhetos em um único livro que recebeu ótima acolhida dos leitores interessados no assunto. Figurava-se cada vez mais o Prof. José Reis, como um verdadeiro divulgador do conhecimento. Graças aos seus esforços de assistência e educação técnicas, o Instituto Biológico passou a centralizar e a coordenar toda a ação dos criadores de aves do Estado de São Paulo.
Esse eminente pesquisador gostava das coisas que produzissem algo melhor para os produtores. Executava a verdadeira cadeia de conhecimento, atendia a demanda, estudava a doença, pesquisava o melhor caminho para detectá-la, aplicava seu conhecimento, desvendava para a comunidade o mistério da doença e empregava toda essa gama que permeava seu modo de ser, inovando a divulgação da pesquisa que era então, privilégio somente para alguns. Essa divulgação nunca deixou de ser a pesquisa propriamente dita, pois ela ia ao encontro dos anseios dos produtores que tinham, no Instituto Biológico, o meio para a solução de seus problemas.
Por vários anos, ao arquivar suas anotações do dia-a-dia, suas conversas com os avicultores, suas palestras para os produtores das mais diversas cooperativas, inclusive de países vizinhos, suas fichas de necropsias, trabalhos científicos, enfim seus mais completos arquivos, propiciou, juntamente com o Dr. Paulo da Cunha Nóbrega e com a colaboração dos Drs. Annita S. Reis, Raphael de Castro Bueno e M. Giovannoni, o inigualável "Tratado de Doenças das Aves". Anota José Reis - "Para conseguir um trabalho mais ou menos eficiente em relação às doenças de aves, eu tive de passar uns 6 anos sem pensar noutra coisa, atolado em galinha até as orelhas...". O Prof. Rocha Lima, diretor geral do Instituto Biológico, diz, na apresentação do livro citado acima, "obra com o caráter de um tratado sobre o assunto profundo e longamente estudado e investigado praticamente por seus autores até terem adquirido autoridade científica necessária para garantir a excelência de uma tal fonte de ensinamentos".
Como parte do seu conhecimento sempre citou as reuniões das sextas-feiras, "sexta-ferinas", denominação bem-humorada cunhada por José Reis, sempre tendo no comando Henrique da Rocha Lima, que incentivava seus técnicos a participarem dessas reuniões onde pesquisadores de várias instituições discutiam a ciência. Resultado disso, Paulo Sawaya, Maurício Rocha e Silva, José Reis e Gastão Rosenfeld, participando dessas memoráveis reuniões, criaram a SBPC, em 1948.Uma de suas maiores habilidades era o escrever, a atividade de trocar em miúdos a informação científica para o grande público. Certa vez, José Reis cita em uma entrevista "o Prof. Otto Bier me perguntou se não era monótono e cansativo toda semana arranjar um assunto diferente e prepará-lo para divulgação. Creio haver mostrado que assim não ocorre porque essa tarefa envolve dois dos maiores prazeres desta vida: aprender e repartir".
Dr. José Reis foi laureado com diversos prêmios, como Prêmio "John R. Reitemeyer", em 1964, concedido pela Sociedade Interamerica de Imprensa e União Panamericana de Imprensa, no México; Prêmio "Kalinga", em 1975, concedido pela Unesco e recebido na sede do CNPq e Prêmio "Instituto Biológico", no próprio IB. Tem ainda nome dado em sua homenagem em Auditório no Instituto Biológico. Em sua homenagem também se criou o "Núcleo José Reis de Divulgação Científica", na ECA/USP, que é comandado pelo eminente pesquisador Prof. Crodowaldo Pavan, tendo como seus colaboradores os grandes admiradores do Prof. José Reis, os Prof. Glória Kreinz e Osmir J. Nunes. Ainda em 2001, no dia 12 de junho, quando José Reis completava 93 anos, fundou-se, por iniciativa do grupo do Núcleo JR, a Associação Brasileira de Divulgação Científica – ABRADIC, para homenageá-lo. Também, em 1978, o CNPq o homenageou com um prêmio em seu nome. Prêmio esse cujos vencedores contribuíram de forma ímpar na divulgação científica e tecnológica brasileira. Já a FAPESP, em 1999, criou o Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico (Mídia Ciência).
Além de escrever obras de divulgação científica para jornais, folhetos dirigidos aos criadores, livros infanto-juvenis, realizar palestras, monitorar visitas a laboratórios, José Reis também assumiu a direção da redação do Jornal Folha de São Paulo, a convite de Otávio Frias, encontrando uma tarefa penosa em momento de transição e, para o jornal, de crise econômica, tudo isso agravado pelo advento da revolução de 1964. A marginalização dos estudantes e a tempestade que se abateu sobre a USP e outras universidades, onde alguns docentes denunciavam colegas, todos brilhantes, mobilizaram o jornal sob a direção editorial de José Reis. Tornou-se a Folha a guardiã dos ideais universitários. Publicou nesse periódico, na coluna "Periscópio", até um dia antes de falecer. Nesse espaço, trabalho de muita pesquisa, José Reis procurava dar relance das principais experiências científicas mundiais. "Essa atividade é continuação de trabalho que venho fazendo há 50 anos e ainda me dá muita satisfação".
Sempre atento aos meios de comunicação, José Reis viajava para todo o Estado de São Paulo, combatendo o conceito de educação como bem-de-consumo, o que parecia querer prevalecer, e, ainda, envolvia professores e alunos dos cursos primário e secundário na organização de feiras de ciência. Foi dessa maneira que se fez "caixeiro viajante" da ciência.
As feiras de ciência, clubes de ciência e concursos "Cientistas de Amanhã" nasceram de pregação na Folha, aliada ao trabalho de orientação e realização do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, órgão da UNESCO. Também, na Folhinha de São Paulo, incluiu uma seção de ciência, da qual se incumbiu a Profa. Maria Julieta Ormastroni. Dirigiu também a revista "Ciência e Cultura", da SBPC, e colaborou na revista Anhembi, destinada ao um público mais homogêneo do que o da Folha.
Em 16 de maio de 2002, aos 94 anos, José Reis morreu, vítima de uma série de pneumonias.
Prof. Dr. José Reis não deixou um dia sequer de fazer ciência, seus trabalhos científicos, a criação das feiras de ciência, suas palestras, sua participação no contexto da sociedade será eterna pelo marco sempre atual que deixou para todos aqueles que vêm, na pesquisa científica e na divulgação da ciência, um meio legítimo de se atingir o conhecimento.
Algumas frases do Prof. José Reis que dizem muito de si.
"A Comunicação é uma das grandes forças dentro das instituições científicas..."
"Suponho que a alegria do divulgador é maior que a do mestre, que ensina em classes formais. O divulgador exerce um magistério sem classe."
"Poder-se-ia dizer que há um componente estético no ato da documentação que, afinal, fixa aquilo que nos encanta".
"Reconheço hoje que nunca me contentou a prática pura e simples de uma especialidade. Sempre procurei completá-la com a sua história e, se não a filosofia, o filosofar sobre a essência do trabalho realizado, sua significação, sua posição no contexto do saber".
"Esse trabalho de ir espontaneamente aos criadores, em suas granjas e em seu ambiente próprio, para tomar conhecimento de seus problemas e estudar e sugerir soluções para eles, é precisamente o mais importante de todos, a chave mestra de toda a campanha de educação agrícola da qual resultará o levantamento do nível de nossos trabalhadores do campo".
"Uma das suas maiores recompensas: aprender, tentando ensinar".
BIBLIOGRAFIA CONSULTADAColeção José Reis - Arquivo do Instituto Biológico
RIBEIRO, M.A.R. História, Ciência e Tecnologia – 70 anos do Instituto Biológico da defesa da agricultura 1927 – 1997. São Paulo: Instituto Biológico, 1997. 284p.
SOARES, S. de M. José Reis, em foco. Biológico, v.57, n.1/2, p.53-61, 1995.
KREINZ, G. & PAVAN, C. (Orgs.) Os donos da paisagem: estudos sobre divulgação científica. São Paulo: NJR/ECA/USP, 2000. 252p. (Divulgação Científica, 3).Recebido em 29/3/05
Aceito em 29/5/05Páginas Inst. Biol., v.1, n.1, jan./jun., 2005